sexta-feira, 28 de março de 2008

Golpe Civil-Miltar de 1964: nenhuma reforma e democracia inexistente.

Passados 44 anos do golpe civil-militar de 1964 duas questões merecem destaque.

(1) Reavaliar o golpe como fato histórico, pois à medida que nos distanciamos temporalmente do acontecimento a nossa visão sobre ele muda e, então, temos que redimensionar o 31/03 para a nossa visão atual.

(2) Uma reflexão sobre a cultura política pretoriana herdada da ditadura militar.

Mesmo não desconsiderando a primeira questão, prefiro me deter na segunda, pois ela remete a nossa realidade.

Por que as memórias do golpe e da ditadura ainda nos são tão vivas? Seria pelas feridas ainda não cicatrizadas? Ou por termos uma Sociedade e um Estado recheados de “entulhos autoritários”, que o nosso débil processo de liberalização não foi competente para extrair do nosso entorno político?

A principal causa para o golpe de 64 foi a tensão (um falso dilema) existente entre democracia e mudanças sociais. O amplo espectro político-partidário nacional antagonizava estes dois fatores desnecessariamente. Os atores políticos à direita acreditavam que pela democracia se chegaria às mudanças sociais - por isso mesmo deram o golpe. Os atores à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais acabando com a democracia.

O confronto entre as forças políticas contrárias e favoráveis às reformas de base destruiu as instituições democráticas. O resultado a que se chegou bem conhecemos: nenhuma reforma social e democracia inexistente!

O processo de liberalização política (notem que não utilizo os termos redemocratização e transição política), efetivado com a eleição de Tancredo Neves, é torto, pois não afasta do cenário nacional os atores políticos da ditadura. O que nós tivemos foi um pacto entre as forças políticas - iniciado ainda em 1974 e capitaneado por Geisel e Golbery.

O resultado foi um processo em que lentamente se foi inserindo alguns elementos do ritual democrático nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente, mantendo intocada a espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar.

Se democracia política são os mecanismos e práticas associados às formas de decidir em favor dos interesses sociais; além das normas que regem o bom funcionamento das instituições e as atitudes que marcam a relação entre elas e a sociedade civil, veremos que não temos uma democracia consolidada.

Não tivemos um processo em que Sociedade Civil e Estado firmassem um compromisso para banir as prerrogativas que os militares atribuíram para si durante 21 anos. Como na ditadura, e seguindo a lógica da Doutrina de Segurança Nacional que dizia que o inimigo a se combater estava dentro do território nacional e não fora dele, as Forças Armadas continuam mais preocupadas com a segurança interna do que com a externa.

Vivemos um momento difícil por não percebermos o quanto ainda temos que avançar no sentido de efetivarmos uma democracia em que aqueles que detêm as armas irão obedecer aos que não as tem. É preciso, também, que os atores políticos não cedam às tentações de mudar as regras do jogo político enquanto ele estiver sendo jogado, além de concordarem em se submeterem às incertezas democráticas dos resultados.

Falta-nos, ainda, aceitar que democracia deve ter um valor universal em nosso país e rejeitarmos aquele dito do humorista Millôr Fernandes que diz que “ditadura é você mandar em mim e democracia sou eu mandar em você!”.

terça-feira, 25 de março de 2008

1968 – O ANO QUE TEIMA EM NÃO TERMINAR.

Parte II: A crônica da morte anunciada de um mundo que não existiu.


Em 2008 temos os 50 anos da Bossa Nova e os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E temos, também, os 40 anos de 1968. Então, veremos os seus sublimadores afirmarem que ele mudou o mundo e nossas vidas, e seus detratores preferindo esquecê-lo.

Reflitamos se 68 merece ter essa aura mágica em torno de si mesmo. Vejamos se ele efetivamente contribuiu para mudar o mundo e a cosmovisão das gerações subseqüentes. Elio Gaspari afirmou que 68 “será revisitado como aquele grande ano da aurora de suas (nossas) vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos festivais de música.”

Porque 68 insiste em não terminar? Porque aqueles que não o viveram sentem saudades dele? Porque 68 deve ser para nossas vidas como o ano-zero que pariu um novo tempo?

Se a história é um continuo processo e não um simples suceder de fatos estanques, 68 não pode ser isolado em detrimento do que de mais relevante aconteceu em todos os outros anos da década de 60. É até compreensível o saudosismo de muitos, pois se lembram de coisas caras as suas emoções. Mas, parecem sentir, também, falta daquilo que não ocorreu ou deturpou-se.

Como falar de 68 como o ano das utopias libertárias se os seus atores (à esquerda) não tinham a democracia como alvo? É possível falar dos valores libertários de uma geração que defendia a ditadura do proletariado? Vejamos que quase toda a esquerda brasileira apoiou a invasão da URSS na Tchecoslováquia que esmagou a Primavera de Praga.

Interessante perceber que os jovens que lutavam por liberdade no Brasil apoiavam aqueles que passavam tanques de guerra por cima dela no leste europeu!

No trecho de um documento de uma organização da década de 60, retirado do livro “Imagens da Revolução” de Daniel Aarão, vê-se a visão instrumental de democracia e de liberdade dessa geração. Não por acaso, o documento é de 1968: “Ao lutarmos contra a ditadura, o objetivo é a conquista de um Governo Popular e Revolucionário e não a redemocratização. A luta pelas liberdades democráticas é de grande importância na situação atual, não significa um fim em si, mas um meio para aglutinar forças contra a ditadura”. (grifos, em negrito, meus).

A sacralização de 68 tem uma função implícita: mistifica o culto que as organizações de esquerdas faziam à violência revolucionária. As perdoa por terem apoiado a Revolução Cultural de Mao Tse-Tung, que tentava (pela força) livrar a China de suas heranças milenares, e a ditadura que os vietcongs implantaram depois de vencerem a guerra contra os EUA. As absolve da defesa aos fuzilamentos praticados em Cuba, tidos como necessários por aniquilarem os “inimigos do povo”, e por terem tentado (pasme!) justificar a ditadura sanguinária de Pol Pot no Camboja.

Legou-se uma visão de que uns queriam o melhor e outros o pior. Não se deve negar os atos criminosos cometidos pelos militares e seus asseclas. Mas a violência incivil da ditadura encobriu o caráter autoritário das idéias e dos projetos à esquerda. Os atos dessa geração voluntariosa se justificam pelos seus ideais – mesmo o justiçamento, um eufemismo criado pela própria esquerda para justificar a eliminação de “indesejáveis”.

Um erro crasso sobre 68 é o de achar que suas causas e conseqüências aconteceram ao mesmo tempo e em vários lugares. É querer que o “Maio francês” tenha tudo haver, ao ponto de influenciar, com as passeatas estudantis brasileiras. Pode-se até insistir em traçar uma linha entre os vários acontecimentos pelo mundo afora. Mas os riscos são vários, pois aqui e acolá algumas semelhanças apareceram e podem enganar os incautos.

Na França, 68 se resumiu aos opostos e suas representações: a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do ultra-conservador Charles de Gaulle em junho. Nos Estados Unidos a questão girava em torno da Guerra do Vietnã e da explosão dos movimentos hippie, feminista e racial. No Brasil, 68 começou com o assassinato do estudante Edson Luis, experimentou as passeatas e o Congresso de Ibiúna e terminou melancolicamente com a decretação do AI-5 – o endurecimento do regime militar, instalado em 1964, ou o golpe dentro do golpe como muitos preferem acertadamente tratar.

Aqui um grande momento foi a passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro em 26 de junho – os mais diversos setores da sociedade, liderados pelos estudantes, foram às ruas dizer que não aquentavam mais a ditadura.

Sintomático que neste dia 26, durante a passeata, a esquerda tenha gritado por liberdade e a noite demonstrado que não a queria. Um comando da Vanguarda Popular Revolucionário (VPR), liderada pelo Capitão Carlos Lamarca, jogou um veículo com explosivos contra o QG do 2º Exército, em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho. Usou do mesmo remédio (violência) que os militares utilizavam para combatê-la.

Não havia o desejo tácito de um retorno à democracia e sim a vontade latente de uma escalada ditatorial. O AI-5 foi recebido pelas organizações como uma coisa inevitável. Foi, até, a justificativa que faltava para que muitos mergulhassem de vez na clandestinidade e na luta armada.

Se eu tivesse que dar um sinônimo, para não ter que utilizar os chavões idealizadores, diria que o “68 brasileiro” foi o ano da radicalização política. Naquele momento todo o espectro político brasileiro era contra a democracia e todos defendiam a violência como instrumento de ação política.
A diferença é que enquanto uns a queriam para fazer revolução, outros a utilizaram para evitá-la.

sexta-feira, 21 de março de 2008

FRASES OBSCENAS - NELSON MOTTA

Publicado na Folha de São Paulo de hoje, 21 de março de 2008, este artigo de Nelson Motta colabora bem para as análises que venho desenvolvendo e que se apresentam no artigo “1968 – o ano que insiste em não terminar”. Pois, assim como ele, estou convenido que nem tudo o que "é de esquerda" é bom, em que pese continuar considerando que tenho uma visão de mundo de esquerda. Boa leitura!


FRASES OBSCENAS - NELSON MOTTA

Jovem e fervoroso revolucionário, um dia comentei com meu avô que alguma coisa era boa, mas cara, e ouvi, chocado, um velho professor amigo dele me dizer com naturalidade: "Mas tudo que é caro é bom, meu filho".

Sorrindo da minha indignação, ressalvou que nem tudo que é barato é ruim, que era possível que algo barato fosse bom, e que nem tudo que é bom é caro, já que algumas das melhores coisas da vida são de graça. Mas manteve a frase obscena.

E mais: me assegurou que o ser humano não vende mais barato o que pode vender mais caro, que ninguém quer o pior se pode ter o melhor e que uma das leis irrevogáveis da humanidade é a da oferta e da procura. Me senti ultrajado.

Mas ao longo dos 40 anos seguintes fui entendendo que era só uma generalização provocativa paulo-franciana, nelson-rodrigueana, pelo prazer da frase e da ironia, e me lembrei dele muitas vezes, com um sorriso, do velho cínico. E sábio.

O que diria ele agora, quando tantos ainda crêem que "tudo que é de esquerda é bom"? Sem ressalvas, já que tudo que não é de esquerda, de direita é, portanto, do mal. Quem ler, digamos, o Zé Dirceu, vai acreditar que a esquerda é generosa com os pobres e oprimidos, quer a igualdade e a fraternidade, é trabalhadora, honesta, não rouba, só pensa no bem do povo e do país. Os que apenas são contra a esquerda são autoritários, gananciosos, só pensam em dinheiro, em explorar os pobres, em atrasar o país, em pilhar o Estado. É patético.

O óbvio ululante é que há cada vez mais gente que não é de esquerda mas tem as qualidades que ela se atribui, assim como há muitos esquerdistas no poder que fazem justamente o que atribuem a seus opostos. Mas, o que seria dos zé-dirceus se não fosse "a direita"?


terça-feira, 18 de março de 2008

1968 – O ANO QUE TEIMA EM NÃO TERMINAR.

Parte I: heróis e aventureiros de um tempo de utopias e autoritarismos.

Abro uma exceção para discutir a mini-série da Rede Globo Queridos Amigos. Coincide falar dela devido aos 40 anos de 1968 – o ano-platônico-base, que se eternizou para uns e nunca existiu para outros. Queridos Amigos é a crônica do mundo real que parte da esquerda brasileira insiste em não enxergar. Ou, se aceita vê-lo, o faz com lentes que turvam sua visão. Atores políticos da esquerda (José Dirceu, por exemplo) enxergam seu passado, materializando-o em 68, com as cores de um mundo que infelizmente (ou felizmente?) não existiu e, talvez, jamais exista. Esse tal mundo esquerdista se tornaria real tão somente pela força das idéias.

Queridos Amigos é a narração de quem tem que conviver com a incômoda sensação da derrota. É a história e o cotidiano daqueles que se prepararam para tomar o poder e que não cogitavam serem derrotados em hipótese nenhuma - eles não estavam preparados para perder!

A esquerda revolucionária não se preparou para ser derrotada por um inimigo sórdido que usava a tortura e o assassinato para reprimi-la. Não estava pronta para ser represada, mesmo porque racionalizava suas ações violentas pela ótica da justiça revolucionária leninista. Haveria, então, dois tipos de violência: uma que era da direita ditatorial, suja, sanguinária e injusta; e outra que era da esquerda revolucionária, pura, comprometida com o povo e, portanto, justa.

O que se buscava era um fim nobre e para isso valia qualquer meio, violento que fosse. Os personagens da mini-série questionam uns aos outros como puderam ser arruinados se a causa a que dedicaram suas vidas era tão nobre. São infensos a enfrentar uma nova realidade, imposta a partir do fim da guerra fria e da crise do socialismo real, onde liberdade e igualdade não mais se antagonizam, pelo contrário, juntam-se para formar uma sociedade verdadeiramente democrática.

Anos depois (a história se passa em 1989), aqueles que se dispuseram a tudo em nome de uma nobre causa tentam viver fiéis a seus ideais e, enfrentando a dura realidade de um país saído de uma ditadura e com uma inflação altissonante, se vêem as voltas com os dramas existenciais, profissionais, sentimentais, familiares e político-ideológicos.


“Queridos Amigos” fala daqueles que, as vésperas da queda do muro de Berlim, ainda viam boas intenções por trás dos atos de Stálin, que só os teria cometido em defesa da pátria socialista. Mais uma vez, a tese dos tais fins últimos justificando todo e qualquer meio. Esses personagens encobriam, com o véu de um puro idealismo, uma já anacrônica defesa da ditadura do proletariado, que na verdade não passava de um projeto de sociedade extremamente autoritário.

“Queridos Amigos” deveria, eu assim me comprazeria, incomodar os empedernidos ativistas da esquerda brasileira. Aqueles mesmos que abominam tudo o que venha da (SIC) “grande mídia burguesa”, leia-se Rede Globo, e dos “tablóides do conservadorismo”, leia-se Folha de São Paulo. São os que elegeram Hugo Chávez substituto de Fidel Castro na liderança da esquerda latino-americana e por desconhecimento/ignorância (ou, pior, com acintoso propósito) não vêem, ou não querem e/ou não podem admitir, que ele está levando a Venezuela para uma ditadura e que ainda pode causar estragos com seu discurso belicoso e irresponsável.

São os apedeutas tautológicos de sempre que ainda conseguem encontrar um paradoxo entre igualdade social e liberdades políticas e que não percebem que o mundo mudou e o quanto, para o bem e para o mal, essas mudanças influenciam a todos nós. São os retrógrados contumazes, avessos aos costumes hodiernos, que devem mais uma vez, quando esse artigo for publicado, me atirar à balda de ser um defensor dos (SIC) “interesses do imperialismo estaduniense, que recebe gorjetas para escrever a favor da direita golpista que quer derrubar Chávez ...”, etc, etc, etc.

Vejamos os arquétipos da mini-série, facilmente encontrados em nossa realidade, egressos de 68 – o ano que teima em não terminar e que foi pródigo em acontecimentos, mas pobre de resultados políticos para as gerações seguintes.

Temos o comunista ortodoxo que lida com seus filhos - chamados Rosa (Luxemburgo) e Luiz Carlos (Prestes) - como se estivesse em uma reunião do partido a qual pertencia. Ele vê seus rebentos como presas fáceis do capitalismo que os corrompeu a base de Coca-Cola e Rock 'n' roll. Ele foi torturado nas dependências do DOI-CODI durante a ditadura, mas não parece ter sentido dores, não demonstra ressentimentos para com seus algozes (parece achar natural o que fizeram como se pensasse fazer o mesmo caso chegasse ao poder). Muito menos aceita que cometeu erros e mantém, com inquebrantável certeza, o ódio de classe contra a burguesia “sem valores morais”. Comodamente, debita toda a problemática da humanidade nas costas do imperialismo norte-americano e crê que as ditaduras totalitárias socialistas eram verdadeiros paraísos na terra.

Ele é o supra-sumo do autoritarismo. Quer proibir seu filho de assistir uma corrida de Fórmula I que (SIC) “representa o poder das empresas automobilísticas”. Ridiculamente, canta a Internacional Socialista por que vai encontrar sua ex-esposa de quem ainda gosta – não seria melhor uma canção de amor?! Ele até consegue conviver com a derrota imposta pela ditadura e com os fracassos da vida profissional e familiar. Mas, assistir pela televisão ao povo alemão, entre o delírio e a histeria, derrubando o muro de Berlim, fazendo soçobrar sua doce utopia, foi insuportável! Ele acompanha tudo incrédulo, depois cai em um choro compulsivo e até adoece. Ele sempre esteve pronto para ver suas idéias triunfarem, não para vê-las ruir de forma tão dura, feito castelos de areia.

Vendo a cena, lembrei-me que presenciei (em 89) um antigo militante do PCB, já falecido, chorando ao ver, pela TV, os operários do Estaleiro Guindanski, em Varsóvia na Polônia, derrubando uma estatua de Lênin. O velho Maia, como o chamava-mos, chorava a dor de ver tudo aquilo pelo o quê acreditou e lutou uma vida inteira sendo, literalmente, derrubado pela classe operária que deveria cultuar a imagem do líder revolucionário. São os paradoxos de um mundo pós-guerra fria, globalizado, que devemos enfrentar e não colocá-las sob o manto protetor da ideologia.

Temos, também, aquele que é convicto que “travou o bom combate”. Que é politicamente correto, defensor da ecologia, e que como professor de uma universidade pública “contribui para a formação de uma nova geração de revolucionários”. Ele, com seu cabelo grande, se mostra nostálgico do movimento hippie e pensa saber a fórmula para “o Brasil virar um país justo“. Também chama seus filhos pelo nome de seus heróis - Chico (Buarque), (Maria) Bethânia, (Gilberto) Gil e Caetano (Veloso). Mas, ele tem o hábito de transformar suas alunas em amantes e mente para a sua família como só a burguesia, que ele diz combater, sabe fazer. Aos pouco, vai aceitando as benesses do capitalismo não sem elaborar um belo discurso para tentar justificar o injustificável. Esse, dificilmente mudará independente da ideologia que tiver.

Temos aquele ex-militante mais folclórico que se recusa a deixar de viver em 68 – sempre prontos a sair por aí, com uma mochila às costas, no melhor estilo flower-power. E, claro, tem aquele que se acha vitorioso por causa da conquista da Lei da Anistia.

E temos, ainda, a ala dos desiludidos. A ex-militante que sofre pelas perdas e pelas torturas sofridas e, como sempre precisou de um dogma para viver, virou esotérica e passa seus dias fazendo o mapa astral de quem não acredita mais em nada. Essa personagem tem uma função importantíssima na trama, pois a sua forma de lidar com o trauma das sevícias sofridas nos faz lembrar que o nosso passivo autoritário não foi ainda resolvido. Não esqueçamos que os arquivos do antigo SNI continuam praticamente intocados e que os torturadores foram, assim como os militantes, anistiados pela Lei da Anistia de 1979.

Enfim, desfilam pela mini-série, e pelo nosso entorno, os sobreviventes de 68.
O que diriam eles se 68 fosse apenas parte do processo histórico do qual somos resultado?

sexta-feira, 14 de março de 2008

Em defesa da Política como Ciência e de alguns princípios

“A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, mas a estupidez dura para sempre”. Aristófanes

Interessante notar como um Blog pode se transformar em um fórum de discussões. Sem contar, que é possível ter um retorno das idéias que apresentamos. Agradeço aos comentários e ao fato dos leitores apontarem aquilo que vêem de positivo e/ou negativo nos artigos, isso me incentiva a tentar escrever cada vez mais e melhor. Interessante, por exemplo, uma leitora afirmar que fui imparcial sem ser tendencioso, pois quem trabalha com temas polêmicos como os que aqui exploro, corre sempre muitos riscos. Óbvio, meu compromisso é com a busca do conhecimento, através de um processo produtivo que leva em consideração leituras sistemáticas e a contínua busca de dados e informações.


Por ser um fórum livre, as pessoas podem se expressar da forma que bem quiserem. Mas, essa liberdade embriaga alguns que como bêbados trôpegos pelas calçadas, cambaleiam nas palavras, nos conceitos, nos meandros da língua portuguesa e até em algumas metáforas usadas por mim mesmo. É temerário se utilizar esse espaço para fins outros. Fins acusatórios e ignóbeis, fins que, enfim, nunca são esclarecidos. São sempre maquiados de uma verborragia pseudo-acadêmica que ignora tacitamente os significados dos termos e conceitos da linguagem usual da Ciência Política, que por motivos mais do que óbvios utilizo a exaustão.


Aqui, não me interessa tratar das mesquinharias, avarezas e miudezas daqueles que, não se sabe bem porque, nunca vem à tona, nunca aparecem à luz do sol e ficam nas catacumbas urdindo desditas. Como professor de uma tão bem conceituada Instituição como a UEPB, tenho a dizer que é graças a um processo que vem sendo trilhado ao longo de 22 anos que hoje me dou “ao luxo”, além de me orgulhar, de atuar em duas áreas correlatas: a História e a Ciência Política e que é nesta última que tenho sim pautado minhas atividades de pesquisa e ensino.


A Ciência Política é uma área de conhecimento como outra qualquer que não tem nem a aura e nem a pecha que alguns tentam lhe atribuir. Também, não se propõem as pretensas “revoluções pós-estruturalizantes-individualizadas” à moda foucoultina e alhures, apenas dedica-se ao estudo dos fenômenos políticos das sociedades atuais, calcada em uma sólida base metodológica de pesquisa. Na verdade, a expressão Ciência Política pode ser usada em um sentido amplo (e não meramente técnico) para indicar qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas institucionais políticas. Este estudo deve ser apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Afinal de contas, e como já afirmava Webber, a ciência nos proporciona método e alguma previsibilidade.


Mas, o que significa ocupar-se cientificamente da política? Expressa não se render ou acomodar-se a opiniões e crenças vulgares, demonstra, ainda, não formular juízos com base em dados imprecisos ou mesmo inverídicos. Para começar, faz-se necessário estudar o poder, essa força ancestral que induz os homens às guerras e a criação do instrumento que os domina chamado Estado (ou “O leviatã” hobbesiano).


Estudar a organização da polis, significa olhar para os Estados reais e não imaginários. Não adianta pensar o poder, o Estado, o governo ou qualquer outra Instituição política como eles deveriam ser ou como nós gostaríamos que fossem, mas como realmente são. E aqui, então, o estudioso fatalmente encontrará a elaboração maquiaveliana, não maquiavélica note-se bem. Para Nicolau Maquiavel a Política tem uma ética própria, que pode ser direcionada para conceitos amplos, como a Razão de Estado, que escapam à moral das convicções humanas e podem até justificar conflitos e as guerras. A Ciência Política contemporânea herdou do mestre florentino essa racionalidade.


O estudo da política facilita o entendimento das formas de organização humana, e o melhor modo de iniciá-lo é ler (ou reler) os clássicos. Maquiavel, Hobbes, Burke, Locke, Montesquieu, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Rousseau, etc, tentaram entender as complexas relações políticas e sociais. A elaboração desses filósofos contribuiu grandemente para a construção de uma ordem política da qual o Estado-Nação é ainda o melhor resultado.
O estudo da Ciência Política não se enquadra como sub-área de qualquer outra disciplina, pois apresenta objeto próprio como os estudos sobre o poder, as elites, o Estado e a nação, a soberania, a sociedade civil e os dilemas da participação\representação política, o executivo, o legislativo, o judiciário, os partidos políticos e as eleições, as Forças Armadas e as relações civil-militar, as políticas publicas (sociais), a constituição da autoridade democrática, entre outros.


Passados cerca de oitenta anos após sua inserção formal na academia, a Ciência Política é hoje, inegavelmente, um campo de estudo acadêmico consagrado, com um universo conceitual e discurso científico próprio, além de amplo acervo de conhecimento e com uma agenda de pesquisa futura promissora.


A Ciência Política brasileira tem contribuído de uma forma original e relevante tanto no plano dos estudos teóricos como no campo dos estudos baseados em evidências empíricas. Nos últimos dez anos surgiram muitos trabalhos que dão um novo tratamento sobre temas como a natureza e o funcionamento das instituições democráticas, os condicionantes políticos do sistema econômico e de sua reforma, a formação e a implementação das decisões de governo nos âmbitos interno e externo, a interação dos governos e atores sociais na produção de políticas públicas, a formação e a expressão das opiniões na sociedade, as possibilidades e limitações da ação externa de um país como o Brasil.


Muitos trabalhos trazem análises relevantes sobre a política normativa: os fundamentos do poder, as condições da ordem política, as distintas concepção do justo, as tensões entre liberdade e igualdade, as relações entre ética e política, a produção do conflito e da cooperação em escala mundial.


Os Cientistas Políticos, sérios e éticos, não articulam (SIC) “estratégias de campanha e discursos para figurinhas de postura ética e pública extremamente questionáveis, envolvidas em escândalos de corrupção”, como bem colocou uma leitora que me honrou com sua arguta percepção, essa função deixamos aos marqueteiros maquiadores de pseudo-candidatos vendidos como se fossem iogurtes, expostos em um supermercado qualquer.


O problema que por hora se apresenta para nós, os cientistas políticos, é em relação à quantidade. Qualidade, digo sem falsa modéstia, temos, mas ainda precisamos crescer numericamente. Porém, esse crescimento não deve se dar a qualquer custo. Precisamos que os nossos alunos espalhados pelos mais variados cursos de graduação passem a ler mais as obras políticas, diria até que é preciso que eles se dediquem mais a leitura dos grandes clássicos da política, de todo aquele conceitual da filosofia contratualista que foi uma sólida base para o iluminismo e as revoluções burguesas.


Repito, estamos voltados para o estudo da problemática da democracia no Brasil e para o funcionamento das Instituições Políticas. No Brasil quando se fala de democracia inevitavelmente termina-se por falar em ditaduras e autoritarismos de toda a sorte, mas é preciso ter cuidado com a forma como se emprega os termos e conceitos. Uma coisa é falar em ditadura como oposto daquilo que ainda queremos para a nossa sociedade, outra coisa é utilizar-se das normas regimentais de uma Instituição para cumprir ou não tarefas.


O nosso exercício diário é contribuir para irmos construindo uma cultura política democrática em nossa sociedade e não para reafirmarmos, através de uma prática pretoriana, uma realidade histórico-política das mais perversas. Como bem disse uma outra leitora, citando Rosa Luxemburgo, "ser democrático com quem pensa igual é fácil; difícil é ser democrático com quem pensa diferente". E eu ainda citaria o grande mestre do humor Millor Fernandes que cunhou a seguinte pérola: “Ditadura é você mandar em mim, democracia é eu mandar em você”.